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Casos Clínicos

Caso clínico – Haemophilus parasuis

Um médico veterinário foi solicitado a realizar atendimento em uma unidade de produção de sítio 2 (creche). O motivo da visita foi analisar o aumento de mortalidade de leitões com 25 dias pós-desmame. O manejo da granja consistia em um sistema contínuo, com limpeza, desinfecção e vazio sanitário apenas nas porções desocupadas das instalações. Os animais eram oriundos de diferentes unidades produtoras de leitões (UPL) e a uniformização era feita no momento da chegada, obedecendo as diferenças de peso e misturando animais de diversas origens.

O proprietário acreditava saber o status sanitário dos leitões recebidos, uma vez que conhecia o calendário vacinal das UPL de origem.  As matrizes eram imunizadas contra Erisipelose (Erispelotrix rhusiopathiae), Parvovirose (vírus do parvovírus suíno) e contra alguns sorovares de Leptospira spp. Os leitões eram vacinados com uma única dose contra Mycoplasma hyopneumoniae e Circovírus suíno tipo 2 ao desmame. Aos 35 dias de idade, também era realizada a imunização com vacina contra Haemophilus parasuis tipo 5. A dose era repetida duas semanas após a primeira aplicação. Ao perguntar o motivo de vacinar contra esse agente, o proprietário respondeu que fora uma recomendação feita alguns anos antes por um veterinário, após um surto que acreditou ser Doença de Glässer (DG). Exames laboratoriais não foram realizados naquela ocasião e também não eram feitos periodicamente em nenhum dos sítios de produção. Portanto, não havia conhecimento sobre o status sorológico dos animais ou dos problemas sanitários que afetavam o rebanho.

Na ocasião da visita, os funcionários queixaram-se das mortes súbitas no lote com 25 a 35 dias pós-desmame. Não quantificaram a mortalidade, mas deduziram seu aumento pela maior frequência com que precisaram levar cadáveres à composteira. Também observaram que houve redução do consumo de ração pelos animais, apatia e dificuldade respiratória. O veterinário realizou a necropsia de cinco leitões (Grupo 1) que morreram subitamente no dia da visita, sacrificando mais três, os quais julgou serem irrecuperáveis (Grupo 2). Nenhum desses leitões havia sido medicado anteriormente. À necropsia do Grupo 1, observou-se hemorragias petequiais nos pulmões, meninges, coração e na região sub-capsular dos rins. Nos leitões sacrificados, a abertura do tórax revelou pleurite e pericardite fibrinosa, com firme aderência dos órgãos na cavidade. Também observou-se a presença de conteúdo fibrino-purulento na superfície das vísceras e em algumas articulações. As lesões do Grupo 2 eram muito sugestivas de DG, enquanto que as lesões do Grupo 1, indicavam morte por septicemia. A principal suspeita era a infecção por Haemophilus parasuis, mas o veterinário não descartou outros agentes, como o Streptococcus sp., Mycoplasma sp, E. rhusiopathiae e Pasteurella multocida. Fragmentos dos órgãos lesionados foram fixados em formol para a realização do exame histopatológico. Adicionalmente, foram coletados de forma asséptica, swabs de pericárdio, pleura, meninge, pulmão, peritônio e líquido sinovial das articulações para exame bacteriológico, sendo enviados para o laboratório em meio Stuart, sob refrigeração.

No exame histopatológico das amostras do Grupo 1, observou-se a presença de microtrombos de fibrina nos pulmões, cérebro e rins. No Grupo 2, as lesões microscópicas resumiram-se a inflamações fibrino-purulentas no coração, pulmões, cérebro e baço, observando-se ainda infiltrados de neutrófilos, macrófagos e transtornos vasculares. Em ambos os grupos de leitões, houve isolamento bacteriano de H. parasuis em ágar chocolate, sendo confirmado por meio de testes bioquímicos específicos. Intrigado com o fato de que os leitões eram vacinados contra o agente e teoricamente protegidos contra a DG, o veterinário solicitou a realização de tipificação molecular por meio da PCR multiplex, com o intuito de descobrir os sorotipos que poderiam estar provocando os sinais clínicos e morte súbitas por septicemia. Conhecendo a patogenia do agente, ele solicitou que apenas as colônias de H. parasuis isoladas de sítios sistêmicos (pericárdio, meninge, peritônio, pleura e articulação), fossem enviadas para a tipificação. O pulmão não seria o sítio ideal para a realização do teste, uma vez que o H. parasuis produz, primariamente, uma doença inflamatória sistêmica. Portanto, cepas presentes nos pulmões podem não ser responsáveis pelo aparecimento da doença clínica.

Os resultados da PCR multiplex revelaram cepas de H. parasuis positivas para os sorotipos 5 e 7, sendo que alguns leitões apresentavam, concomitantemente, os dois sorotipos e uma amostra do Grupo 2, isolada do pericárdio, foi classificada como não tipável (NT). A vacina comercial utilizada na granja, prevenia a infecção dos leitões apenas contra o H. parasuis tipo 5, não sendo efetiva contra outros sorotipos ou contra cepas não tipáveis. As vacinas comerciais disponíveis no Brasil para a prevenção da DG, não incluem o sorotipo 7 na formulação. Portanto, na situação descrita, a solução mais apropriada seria o desenvolvimento de uma vacina autógena formulada com cepas isoladas de sítios sistêmicos de infecção.

Neste sítio de produção, observou-se duas formas clínicas produzidas pelo H. parasuis: Doença de Glässer e septicemia associada a morte súbita. De acordo com o histórico, a bactéria sempre esteve presente na granja e esporadicamente, observavam-se quadros clínicos superagudos com mortes súbitas. No início da fase de creche, quando leitões de diversas origens são misturados, a transmissão do agente ocorre principalmente através do contato de animais livres de H. parasuis e aqueles colonizados por cepas virulentas, que não apresentaram a doença clínica por estarem sob proteção da imunidade materna. Portanto, a mistura de lotes de leitões de origens diferentes é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de DG. A escolha e o uso de antibióticos, assim como o desenvolvimento de um programa de controle e tratamento dos casos clínicos de DG, devem ser orientados por um médico veterinário.

Fotos: Tatiane Fiuza, Gustavo Schlindwein e Thairê Maróstica

Referências Bibliográficas:

Frandoloso, R. Haemophilus (Glässerela) parasuis: Infecção, diagnóstico e prevenção. In:Anais doXII Simpósio Internacional de Suinocultura. (Porto Alegre). 2019.

Santos, J.S.; Sobestiansky, J.; Santos, L.; Doença de Glässer. Sobestiansky, J.; Barcellos, D. Doenças dos Suínos. 2. ed.Canone. Goiania, 2012 p. 135-140.