Caso clínico – PCV2
Um médico veterinário foi solicitado a realizar atendimento em uma granja de ciclo completo. O motivo da visita foi desvendar a causa do aumento da prevalência de leitões refugos com seis semanas de idade. A granja funcionava em um sistema contínuo, com desinfecção e vazio sanitário apenas nas porções desocupadas das instalações. Os leitões eram desmamados com 21 dias de vida.
O calendário vacinal da granja consistia na imunização das matrizes contra Erisipela (Erisipelotrix rhusiopathiae), Parvovirose (vírus do parvovírus suíno) e alguns sorovares de Leptospira spp. Ao desmame, os leitões eram vacinados com uma única dose contra Mycoplasma hyopneumoniae e Circovírus suíno tipo 2.
Na ocasião da visita na creche, os funcionários queixaram-se do número alto de leitões apáticos, com anorexia, pelos opacos e sinais de pneumonia. Não quantificaram a mortalidade, mas deduziram seu aumento pela maior frequência com que precisaram levar os mortos à composteira. Os sinais clínicos eram compatíveis com circovirose e, de acordo com o gerente da granja, a manifestação da doença deveria ser atribuída a uma falha vacinal. Sabendo que o quadro observado era sugestivo, mas não exclusivo de infecção por PCV2, o veterinário decidiu investigar o caso com mais profundidade. A falha vacinal poderia, de fato, ser a causa da manifestação dos sinais clínicos, no entanto, era necessário investigar outras possibilidades. Erros associados ao protocolo e a aplicação da vacina também resultariam no aparecimento dos sinais clínicos mencionados. Além disso, existia a possibilidade de a doença ter sido desencadeada pela infecção com outros agentes virais e bacterianos. Ferramentas laboratoriais eram necessárias para a obtenção de um diagnóstico preciso.
O veterinário selecionou alguns animais para realização da necropsia. Ele procurou escolher os que estivessem na fase aguda da infecção, com moderada perda de condição corporal e apatia. Leitões doentes por um período superior a uma semana, medicados ou que morreram espontaneamente não seriam indicados para a realização do diagnóstico. Foram coletadas amostras de sangue utilizando-se agulhas, seringas e tubos estéreis, submetidas ao laboratório sob refrigeração. Dentre os animais selecionados, cinco foram eutanasiados e necropsiados em seguida. No exame macroscópico dos pulmões, notou-se a ausência de colabamento com edema interlobular e áreas de consolidação. Observou-se um aumento de volume acentuado dos linfonodos inguinais e mesentéricos, infartos no baço e esplenomegalia. Fragmentos dos pulmões e órgãos linfoides foram fixados em solução formalina 10%. As principais lesões histológicas observadas consistiram em pneumonia intersticial, depleção linfoide severa, necrose de células linfoides, infiltração de histiócitos e presença de células gigantes multinucleadas. Corpúsculos de inclusão basofílicos não foram detectados. O diagnóstico de infecção por PCV2 foi confirmado após a imunohistoquímica (IHQ).
Os soros foram testados com PCR quantitativa (qPCR), um ensaio molecular capaz de detectar e quantificar a carga viral presente na amostra. Em todas as amostras testadas, detectou-se altas taxas de PCV2 por mililitro de soro (>107 cópias virais).
Nesta granja, as observações clínicas em associação com os resultados laboratoriais, confirmaram o diagnóstico de circovirose suína. É válido comentar que o PCV2 é necessário, porém não suficiente para a reprodução da doença. O diagnóstico deve ser realizado com base na combinação entre os sinais clínicos, lesões e a detecção via PCR. Essa observação caracteriza a circovirose como doença multifatorial, diferindo-a de outros agentes como o vírus da Peste Suína Clássica, por exemplo, em que a presença do agente já é indicativa de doença.
Em relação a vacinação, descartou-se a hipótese de falha do produto ou erros no momento da aplicação. Neste sistema, o veterinário suspeitou que existisse, na verdade, uma falha no calendário vacinal dos leitões. Geralmente, a infecção com PCV2 ocorre no final da fase de creche ou no início da recria, podendo haver variações entre as granjas. A vacinação deve ser programada de tal forma que, no momento em que os animais entrarem em contato com vírus, eles já apresentem níveis suficientes de anticorpos para prevenir a doença. Neste rebanho, era provável que os animais estivessem sendo infectados mais cedo, não havendo tempo para o desenvolvimento de uma resposta imune capaz de prevenir a doença. É preciso monitorar a dinâmica infecção de maneira constante através de técnicas moleculares e sorológicas, e caso necessário, a vacinação deve ser ajustada. Adiantar o protocolo e implementar a vacinação de porcas e marrãs, por exemplo, pode ser uma alternativa interessante para evitar as manifestações clínicas produzidas pelo PCV2. Ressalta-se que esse tipo de ajuste só deve ser realizado mediante a orientação de um médico veterinário que conheça o perfil do rebanho.
Fotos: Jamil Faccin
Referência bibliográficas
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