Disenteria Suína
“Isolados de Brachyspira hyodysenteriae são cada vez mais cultivados a partir de rebanhos sem sinais clínicos da Disenteria Suína aparente, e alguns destes isolados apresentam hemólise forte, enquanto outros são fracamente hemolíticos. A falta de sinais clínicos aparente nesses rebanhos sugere a existência de cepas pouco virulentas ou avirulentas de B. hyodysenteriae.”
– Dr. Hampson e Dr. Burrough, 2019
Epidemiologia
Descrita em meados de 1920, a disenteria suína (DS), também chamada de enterite hemorrágica, diarreia negra, colite hemorrágica ou diarreia sanguinolenta, é uma afecção que causa inflamação do colón e ceco, perda de peso e quadros graves de diarreia (Menegat, 2013).
Sabe-se que Brachyspira hyodysenteriae não é o único agente etiológico da DS. B. hampsonii e B. suanatina são bactérias beta-hemolíticas que também podem induzir a doença em animais suscetíveis. Além disso, sete espécies de Brachyspira colonizam suínos: as três espécies patogênicas mais comuns são B. hyodysenteriae e B. hampsonii, ambos agentes da DS, e B. pilosicoli, a causa da colite espiroquetal (Hampson & Burrough, 2019).
Essa doença possui distribuição mundial podendo acometer animais de todas as idades, entretanto animais nas fases de crescimento e terminação são os mais comumente afetados. A DS causada por B. hyodysenteriae continua a ser relativamente comum e importante problema endêmico em muitos países.
Novos surtos da doença ocorrem tipicamente após a introdução de suínos portadores assintomáticos que não passaram por quarentena, ou foram tratados profilaticamente. Suínos alojados em áreas com presença de camundongos são mais susceptíveis a apresentar a doença, uma vez que estes roedores podem eliminar a Brachyspira hyodysenteriae nas suas fezes por mais de seis meses (Hampson & Burrough, 2019).
A morbidade pode alcançar 90% dos animais, enquanto a mortalidade varia de 5 a 15%, podendo atingir 30% dos animais infectados (Guedes & Barcellos, 2012).
A incidência de disenteria está relacionada à resistência de B. hyodysenteriae a antibióticos, não remoção das fezes das baias, alta umidade, baixa temperatura e presença de animais transmissores da doença nas baias (Hampson & Burrough, 2019).
Sabe-se que o período de incubação da doença pode variar de 10 a 14 dias, podendo, em alguns casos transcorrer três a seis semanas antes do surgimento dos sinais clínicos (Guedes & Barcellos, 2012).
Dr. Fábio Vanucci fala sobre Brachyspira no Suinocast
Etiologia
Dos três agentes conhecidos da DS, B. hyodysenteriae continua sendo a espécie mais reconhecida e relatada em todo o mundo e é a mais bem caracterizada. Sabe-se também que a espécie é diversa, contém numerosas linhagens geneticamente distintas e é uma espécie clonal não recombinante (Rugna et al. 2015).
A B. hyodysenteriae é gram negativa e vive em condições de anaerobiose. Brachyspiras são bactérias hemolíticas que podem estar associadas a hemorragias moderadas e graves. A atividade hemolítica de Brachyspira spp. é provavelmente um fator de virulência essencial. A força da hemólise tem sido sugerida como um indicador sensível do potencial de induzir DS em suínos (Burrough et al. 2012).
B. hyodysenteriae possui muitos genes envolvidos na motilidade, quimiotaxia e viscotaxia com a mucina (Naresh e Hampson 2010). Essa afinidade permite que B. hyodysenteriae se associe à mucosa intestinal (Kennedy et al. 1988). Ainda, a colonização da mucosa do cólon também pode ser aumentada pela atividade da NADH oxidase de B. hyodysenteriae, protegendo da toxicidade do oxigênio (Stanton et al. 1999).
Comparado com B. hyodysenteriae, sabe-se muito menos sobre potenciais determinantes de virulência em B. hampsonii e B. suanatina (Hampson & Burrough, 2019).
Patogenia
A patogenia da DS ainda não foi entendida por completo, principalmente devido a ação sinérgica com outros microrganismos do cólon (Guedes & Barcellos, 2012). Ainda, acredita-se que a infecção por outros microrganismos juntamente com um agente de DS é necessária para a expressão da doença (Harris et al. 1978).
Após a ingestão, B. hyodysenteriae sobrevive ao ambiente ácido do estômago e chega ao intestino grosso, onde coloniza e produz a doença (Hampson & Burrough, 2019).
Há uma perda de mucinas sulfatadas na mucosa colônica de suínos com DS aguda. Além disso, a produção de mucina aumenta dramaticamente devido à produção de mucina 5AC e ao aumento da produção de mucina 2 (Quintana‐Hayashi et al. 2015).
Sabe-se ainda que a hemolisina e o LPS podem causar danos locais, resultando em descamação epitelial, e invasão subsequente da mucosa e submucosa por bactérias secundárias.
As lesões microscópicas incluem necrose mucosa superficial, infiltração neutrofílica simultânea da lâmina própria, alongamento de cripta, hemorragia e secreção abundante de muco (Wilcock e Olander 1979)
A diarreia resulta da falha do transporte epitelial de íons sódio e cloreto do lúmen para o sangue, resultando em má absorção do cólon (Whipp et al. 1978).
Sinais clínicos e lesões
A primeira evidência de DS é a ocorrência de fezes moles, amarelas a cinza. Anorexia parcial e aumento da temperatura retal de 40-40,5°C podem ocorrer (Jacobson et al. 2007). Poucas horas a dias após o início da doença clínica, grandes quantidades de muco e muitas vezes manchas de sangue são encontradas nas fezes, progredindo para fezes aquosas com sangue, muco e fragmentos de exsudato mucofibrinoso branco.
A maioria dos animais se recuperam ao longo das semanas, mas a taxa de crescimento fica comprometida. Em casos mais crônicos, a diarreia prolongada pode levar à desidratação, deixando os animais fracos e emaciados.
As lesões são limitadas a todo ou parte do ceco através do cólon descendente, sendo o cólon espiral afetado mais consistentemente na DP aguda (Wilberts et al. 2014).
Tipicamente, as lesões da DS incluem hiperemia e edema da parede intestinal grande, mesentério e linfonodos mesentéricos. A mucosa do intestino grosso fica edemaciada com perda da aparência rugosa típica e é coberta por muco, fibrina e manchas de sangue
À medida que a doença progride, o edema do intestino grosso diminui e as lesões da mucosa se tornam mais graves. A exsudação de fibrina aumenta, formando pseudomembranas espessas compostas de fibrina, muco e sangue.
Nas lesões microscópicas, observa-se aumento do número de neutrófilos, linfócitos e células plasmáticas na lâmina própria. Nas lesões crônicas pode se observar necrose superficial mais extensa e exsudato fibrinonecrótico mucoso superficial.
Diagnóstico
Historicamente, baseia-se em sinais clínicos apropriados, lesões macroscópicas e microscópicas características e isolamento de espiroquetas b-hemolíticas do tecido ou fezes do cólon. Com a chegada dos métodos de diagnóstico molecular aumentou as oportunidades para o diagnóstico ante mortem, como os testes de reação em cadeia da polimerase (PCR) e hibridização in situ (ISH) (Wilberts et al. 2015). Além disso, testes sorológicos podem ser utilizados para monitorar a ocorrência da doença.
Tratamento & controle
Os medicamentos mais comumente usados para tratar a Disenteria Suína são as pleuromutilinas, como tiamulina, valnemulina, tilosina e lincomicina (Hampson & Burrough, 2019). A tilvalosina é uma modificação de um medicamento mais antigo (acetil isovaleril tilosina) que também pode ser útil para o tratamento e controle da DS quando usado na água e alimentação.
Para eliminar a Brachyspira hyodysenteriae do ambiente sugere-se fazer um programa de desinfecção e limpeza, eliminar os roedores e outros agentes transmissores, como insetos, aves, cães e gatos do local de criação.
Ainda não há uma vacina comercial, porém, estudos buscam o desenvolvimento de vacinas de subunidade ou recombinantes com níveis satisfatórios de proteção.
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