Resposta imune induzida pelo alimento: a perda silenciosa
É tarefa do sistema imunológico identificar o que é próprio ou não do organismo. Isso é necessário para poder proteger o suíno de patógenos por meio de ações deflagradas por uma complexa rede de órgãos, células e moléculas. Parte deste reconhecimento é realizado pelos ‘receptores de reconhecimento de padrões’ localizados nas membranas e no interior das células. As moléculas capazes de ativar esses receptores são chamadas de “padrões moleculares associados ao patógeno” (PAMP, do inglês, pathogen-associated molecular patterns).
A resposta imune inata é muito rápida, mas é relativamente inespecífica. Na prática, diversas substâncias (ácidos nucleicos, lipídios da parede celular, proteínas e carboidratos) podem atuar como PAMP (Cruvinel et al., 2010). A regra geral para ser um PAMP é: (1) não fazer parte do organismo e (2) ser um componente encontrado em patógenos. Porém, isso não significa que os compostos que atuam como PAMP sejam encontrados exclusivamente em organismos patogênicos (Sato et al., 2009). Exemplos de fontes não patogênicas de PAMP são as paredes celulares de diversas plantas e leveduras (Hsiao et al., 2006), que frequentemente são utilizadas para alimentação de suínos. Além de desnecessária, esta ativação da resposta imune inata demanda energia que poderia ser utilizada para outras atividades metabólicas, como crescimento ou produção (Sato et al., 2009). Esta perda silenciosa de produtividade dificilmente é detectada sem o uso de uma estratégia específica para tal. Esse processo inflamatório gerado por PAMP presentes nos alimentos é nomeado “resposta imune induzida pelo alimento” (FIIR, do inglês, feed induced immune response).
Os β-mananos, também conhecidos como β-galactomananos, são polissacarídeos não amiláceos solúveis em água. Os β-mananos não são digeridos por animais não-ruminantes e estão entre os principais fatores anti-nutricionais para estas espécies, sendo frequentemente associados ao aumento na viscosidade da digesta e redução no aproveitamento dos nutrientes das rações (Shastak et al., 2015). Estes componentes também podem ser encontrados na superfície de diversos microrganismos patogênicos e, por isso, sua presença no lúmen intestinal é identificada como um PAMP. Por compor a parede celular vegetal, especificamente a fração de hemicelulose, os β-mananos também estão presente em vários ingredientes utilizados para fabricação de ração, em especial nos grãos de soja, principalmente na casca e na fração fibrosa do farelo (Hsiao et al., 2006).
As consequências positivas da ativação do sistema imune são indiscutíveis, desempenhando papel fundamental em proteger os animais de potenciais patógenos. Porém, também existem consequências negativas, especialmente nos casos em que a resposta imune é gerada sem a presença efetiva de um patógeno (como na FIIR) ou quando ela é modulada para uma via pouco eficiente. Muitas dessas consequências são compartilhadas com doenças entéricas ou outros processos inflamatórios exagerados. A consequência disso normalmente envolve a redução na absorção de nutrientes, perda de fluídos e disbiose. Algumas dessas consequências negativas são listadas na Figura 1.
Figura 1. Consequências negativas associadas aos β-mannanos.
Os custos energéticos e nutricionais demandados pelo FIIR podem comprometer a máxima expressão do desempenho dos suínos. Desta forma, além de perder recursos que poderiam ser utilizados para crescimento, também existem efeitos negativos paralelos como perda de digestibilidade (relacionado à viscosidade da digesta) e instabilidade da microbiota (disbiose). Assim, é fundamental adotarmos estratégias que auxiliem na redução da FIIR, melhorando assim a lucratividade da suinocultura e o bem-estar dos animais.
Cruvinel, W.D.M. et al. Sistema imunitário: Parte I. Fundamentos da imunidade inata com ênfase nos mecanismos moleculares e celulares da resposta inflamatória. Revista Brasileira de Reumatologia 50:434-447, 2010.
Hsiao, H.Y., et al. Levels of β-Mannan in Soybean Meal. Poultry Science 85(8):1430-1432, 2006.
Sato, S., et al. Galectins in innate immunity: dual functions of host soluble beta-galactoside-binding lectins as damage-associated molecular patterns (DAMPs) and as receptors for pathogen-associated molecular patterns (PAMPs). Immunological Reviews 230(1):172-187, 2009.
Shastak, Y., et al. ß-Mannan and mannanase in poultry nutrition. World’s Poultry Science Journal 71(1):161-174, 2015.